21.3.15

POESIA

Hoje é dia mundial da poesia. Não sei estas coisas de cor nem as tenho assinaladas na agenda mas gosto de ouvir rádio enquanto conduzo e aqueles senhores sabem destes dias e informam-nos. Hoje em dia, há dias para tudo e alguns dos dias são felizes na distinção. O dia da poesia, não sendo o dia do poeta, que esse tem dia próprio, é um deles. Ainda mais para nós, um país de grandes poetas. Não serão todos os poetas grandes? Interrogo-me no entretanto.

O maior dos meus poetas é aquele de que me lembro sempre que falo em poesia, ou em prosa, ou em escrita. Aquele que não era poeta. Era antes poetas, porque era vários. Fernando Pessoa. Falo dele a tanta gente, e falo tanto, exaustivamente e entusiasticamente, que até é cansativo. Para os outros. Eu não me canso. Não seria possível cansar-me de alguém que é tantos ao mesmo tempo. Não há rotina literária ali. Se me cansar de guardar rebanhos com o mestre Alberto Caeiro, posso cruzar-me numa rua da Baixa com Álvaro de Campos, ou descer até ao Terreiro do Paço para um café, no Martinho da Arcada, com Pessoa, ortónimo.

Não tenho tantos livros "pessoanos" quanto Pessoa tem de heterónimos mas posso dizer-vos que tenho muitos e nem todos lidos, ainda. Ler Pessoa requer tempo e espaço emocional e inteligível. Para se conseguir descortinar-lhe as metáforas e sentir-lhe os afectos é preciso concentração. Há excepção do mestre, simples no olhar, todos os outros são complexos no diagrama de emoções. É que "pensar é estar doente dos olhos" e "faz mal às emoções".

Então, porque hoje é dia da poesia, deixo-vos dois excertos de dois poemas e um poema completo. O primeiro de Alberto Caeiro, o segundo de Álvaro de Campos, e o terceiro (o que me arrebata desde que Pessoa se cruzou comigo) de Fernando Pessoa.


"(...)
E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
E' só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silencio pela herva fóra.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo d'um outeiro,
(...)"

Alberto Caeiro
(Poemas Completos de Alberto Caeiro - Editorial Presença)


"(...)
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealista, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
(...)"

Álvaro de Campos
(Poemas de Álvaro de Campos - Imprensa Nacional - Casa da Moeda)


"MORDE-ME COM O QUERER-ME que tens nos olhos
Despe-te em sonho ante o sonhares-me vendo-te,
Dá-te vária, dá sonhos de ti-própria aos molhos
Ao teu pensar-me querendo-te...

Desfolha sonhos teus de dando-te variamente,
Ó perversa, sobre o êxtase da atenção
Que tu em sonhos dás-me... E o teu sonho de mim é quente
No teu olhar absorto ou em abstracção...

Possue-me-te, seja eu em ti spasmo e um rocio
De voluptuosos eus na tua coroa de rainha...
Meu amor será o sair de mim do teu ócio
E eu nunca sereu teu, ó apenas-minha?"

Fernando Pessoa
(Poesia 1902-1917 - Assírio & Alvim)

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